O activista Rafael Marques disse hoje que a visita de Joe Biden a Angola “é mais simbólica” e não vai resolver a fome no país, lamentando a “incompetência” do Governo angolano na aplicação de medidas concretas.
Para Rafael Marques, “é histórica (a visita) por ser a primeira de um Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) a Angola, mas é mais simbólica e mediática do que prática em termos de relações entre os dois países e a explicação é muito simples: as questões internas de Angola – democracia e direitos humanos – devem ser resolvidas cá”.
Angola vive, neste momento, a “maior violação” dos direitos dos cidadãos, traduzida pela “fome que graça pelo país”, referiu Rafael Marques, salientando que “pouco ou nada” tem sido feito para a salvaguarda do direito à alimentação no país.
O direito à alimentação “é um direito fundamental e pouco ou nada tem sido feito para aliviar o peso da desestruturação do Governo, da economia, sobre o modo de vida dos cidadãos e estas questões não serão resolvidas pelos EUA, devem ser resolvidas pelo Presidente da República, João Lourenço”, apontou.
Para Rafael Marques, a visita de Joe Biden não deve encarada como uma “panaceia” para a resolução dos problemas de Angola, insistindo que quem os deve resolver “é quem dirige os destinos do país”.
Quem está a dirigir o Governo “deve ouvir os clamores da população, deve apresentar políticas públicas concretas de melhoria da condição de vida do cidadão e deve, sobretudo, saber governar e ter governantes que não sejam tão medíocres e arrogantes” quanto os actuais, criticou.
O activista, que esteve na terça-feira na plateia de individualidades que assistiram à intervenção de Joe Biden na sua vista ao Museu Nacional da Escravatura, em Luanda, reafirmou as soluções dos problemas de Angola devem ser encontradas internamente.
“Esperar que entidades estrangeiras venham resolver os nossos problemas é um atestado de menoridade, o país é nosso e somos nós quem tem de resolver os problemas”, vincou.
O também director do Ufolo – Centro de Estudos para a Boa Governação considerou, por outro lado, que o Corredor do Lobito não vai resolver o problema dos angolanos e não vai mudar a economia do país, argumentando que a infra-estrutura é de grande valia para os norte-americanos.
O Corredor do Lobito “é um projecto e deve ser tratado como tal, não vai resolver os problemas dos angolanos, não vai mudar a economia, isso é conversa, tem um valor geopolítico, geoestratégico para os EUA”, disse.
Defendeu ainda que os angolanos precisam de produção alimentar, emprego e de outras condições “que só um Governo competente, com pessoas sérias e responsáveis, pode fazer”. “Nós não temos, precisamos um Governo sério”, realçou.
“Temos um Governo que serve o Presidente da República e o Presidente da República serve-se a si, é só ele quem decide e pode. A nossa vida não mudará, porque temos um mau Governo”, concluiu Rafael Marques.
Recorde-se que, em 2022, Rafael Marques propôs ao Presidente João Lourenço a implementação de uma reforma agrária no país para aumentar a produção agrícola, e, em função disso, combater a fome em algumas zonas do território nacional.
A ideia foi apresentada durante a audiência que o Chefe de Estado concedeu, em separado, na Cidade Alta, a sete entidades da sociedade civil, escolhidas a dedo como trunfo eleitoral, sendo a maioria líderes religiosos.
“Nós temos, no país, indivíduos com 300 quilómetros quadrados de terras férteis em estado ocioso e é necessário que se reveja por que motivo há muito pouca gente com tanta terra sem nada e milhões de habitantes que podem dar melhor utilização a essas terras”, realçou o activista.
Rafael Marques, o primeiro das sete “entidades” (assim lhes chamou o órgão oficial do MPLA, o Jornal de Angola) a ser recebida pelo Presidente da República, disse não ser possível falar-se em combate à fome sem haver um processo de reformas para aumentar a produção agrícola. Nova descoberta, desde logo porque Angola só foi auto-suficiente na produção agrícola até à chegada ao Poder, em 1975, do partido de João Lourenço.
“Porque não se vai combater a fome aumentando as importações. É necessário que as pessoas produzam mais, para que haja segurança alimentar”, defendeu Rafael Marques em mais uma descoberta similar à que aconteceu com a roda.
O activista referiu que o país vive uma “explosão demográfica muito grande”, com a população a crescer um milhão de habitantes por ano, quando os ganhos, em relação ao Orçamento Geral do Estado, não acompanham esse crescimento demográfico.
Como proposta, para fazer face a este quadro, salientou ser necessário haver mais pessoas no campo a produzir, mas, para isso, prosseguiu, é necessário que se tenha alguma segurança jurídica, de modo que as pessoas não tenham dificuldades em aceder às terras e a pequenos créditos.
Rafael Marques ressaltou ter aproveitado, ainda, a ocasião para falar com o Chefe de Estado, líder do MPLA e chefe do Governo sobre uma reforma mais abrangente da Constituição.
“Perguntei ao Presidente da República para quando uma reforma mais abrangente da Constituição”, salientou o activista (anteriormente condecorado por João Lourenço), que disse ter conversado, ainda, com o Presidente, sobre a burocracia estatal.
“Discutimos a questão da fome, burocracia estatal e também sobre a Constituição. Foram esses três temas que, basicamente, dominaram a nossa conversa”, concluiu.
Uma reforma agrária é uma reorganização das terras no campo e acontece quando grandes porções de terra, até então concentradas na mão de um ou de poucos proprietários, são divididas em pequenas porções e distribuídas a outros donos, até então impossibilitados do acesso à terra, explicou o Jornal de Angola.